sábado, 6 de outubro de 2018

Economia de Novos Valores

"... Em suma: roupas, alimentos, suplementos, cosméticos, plásticas, remédios, máquinas, programas, DNAs, enfim, do código de barras ao código genético o corpo humano passa a ser decodificado pela lógica quantificadora da mercadoria.
     Mais ainda, os avanços tecnológicos da indústria de ponta se encarregaram de tornar os próprios frutos da mente humana em mercadoria. Se no século XX a dinâmica taylorista-fordista propunha racionalizar as operações de trabalho esquadrinhando tempos e movimentos a fim de tornar o operário uma mera peça mais docilmente expropriável e mais facilmente substituível, a pergunta imposta pelo capital no século XXI é algo como: para que usurpar apenas as forças dos braços operários se é possível também sequestrar suas mentes...
     ... O mesmo se passa com corporações como Apple, Nike, Coca-Cola, McDonalds, que se converteram nas marcas mais valiosas da economia global a partir menos da qualidade de seus produtos e mais da capacidade de negociar marcas, designs, padrões de gostos, estilos de vida, símbolos de distinção...
     ... Quando o corpo e a mente humana são transformados em objetos da mercantilização estamos diante de uma ressignificação da própria compreensão do que é a natureza humana, mais ainda: a própria ideia de natureza tende a ser colonizada pelo capital...
     Por isso é comum encontrar projetos de desenvolvimento econômico que mesmo sendo bem sucedidos do ponto de vista do crescimento econômico vem acompanhados pelo crescimento do racismo, do machismo, da homofobia, da xenofobia, da intolerância, da tortura, do fundamentalismo religioso, do linchamento, do justiçamento e tantas outras formas de expressão da barbárie. O progresso entendido como um destino evolutivo sufoca todo direito à diferença. Nesse cenário a única liberdade de fato é a liberdade do capital, aliás, necessária para a voracidade do mercado financeiro sempre ansioso para aumentar sua rentabilidade e sua lucratividade com abstrações tornadas mercadorias."

     Quando ideias e conceitos se tornam mercadorias o exercício de criação de outras linguagens é uma tarefa necessária de resistência. Nesse sentido é que se coloca a importância da invenção de uma economia baseada em novos valores, que seja capaz de extrair da gramática matemática a gramática ética ali encrustada, ressignificando, por exemplo, as noções de troca, propriedade, valor e riqueza...

     ... É fundamental a luta contra as desigualdades e a insurgência contra os poderes econômicos exigindo: taxação das grandes fortunas, heranças, doações e do consumo de luxo. Experiências como a do Ocuppy nos EUA, a luta travada na Espanha pelo Podemos contra a crise econômica ou o embate travado na Grécia pelo Syriza contra a austeridade fiscal sinalizam claras reivindicações por uma justiça distributiva;  transparência e fiscalização contra a sonegação de impostos, evasão de divisas e lavagem de dinheiro...

     ... Não se faz justiça social sem distribuição de renda, por isso é preciso denunciar as agruras dos modos de produção e reprodução do biocapitalismo e dos gestores das finanças globais, ressignificando a ideia de felicidade para além dos marcos liberais do individualismo e dilatando o conceito de bem-estar para além dos referenciais do welfare state, construindo uma economia da propriedade comum, onde o agronegócio cede lugar a uma nova relação com o meio-ambiente e os ciclos da terra a partir da agricultura familiar e da agroecologia; onde a grande corporação industrial ceda lugar a uma nova dinâmica de produção de tecnologias e redes a partir da desmercantilização do conhecimento, da criatividade, das subjetividades e dos afetos; onde os grandes banqueiros e comerciantes deixem de ser monopolizadores do acesso à moeda e às mercadorias abrindo espaço para o intercâmbio de novas formas de credibilidade e de troca.

Filosofia, Ciência e Vida. Editora Escala.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Paixões da Alma

        "Isso mostra que todas as cinco são muito úteis em relação ao corpo. Até mesmo a tristeza é de alguma forma anterior e mais nec...